ALEGRIA A GENTE ACHA É EM HORINHAS DE DESCUIDO*

Passou largo tempo. A tristeza encomprida o tempo. O frio encomprida o tempo. A escuridão encomprida o tempo.

O frio e a escuridão entristecem o ar. A tristeza esfria e escurece os dias. Parece que o sol não ilumina e não esquenta. Nem precisa de nuvens. Mas a tristeza também chama as nuvens: convoca as nuvens da alma a umedecerem o ar e escurecerem o dia. O frio úmido que gela os ossos. Ou são os ossos gélidos que esfriam e umedecem o ar?

Hoje o céu tem uma fina camada de escuridão, que ameniza a luz e o calor do sol. Ainda assim, o sol brilha radiante, arde aquecendo a pele e eu tenho a sensação de que o dia não é suficiente para cumprir todas as tarefas.

Alegria encurta o tempo? Sim, mas eu nem estou alegre… Só que não estou triste. Estou ativa e corajosa hoje e isso encurta o tempo. Quanto mais coisas faço, mais rápido o dia passa. Quanto menos ativa, “mais tempo o tempo tem”, a ponto de não acabar nunca!

Atividade chama a alegria. A alegria calma, serena, da satisfação do dia cumprido. Cumprido e comprido de tanta tarefa feita, mas curto de horas… Na atividade o tempo vira ação e a gente mede o tamanho do dia não pelas horas, mas pelo número de tarefas realizadas. Fazendo, a gente fica alegre, mas nem sente. A alegria é assim, um descuido, um não sentir, não perceber, que a gente só se dá conta depois. Que vai enchendo a gente no fazer, no passar fazendo, até que no final do dia vem aquela sensação cheia, inteira, do cansaço, do dever cumprido, do dia bem passado, útil, produzido. Aí, no fim do dia a gente sente que sentiu alegria porque esse cheio todo transborda em cansaço de satisfação.

Então a gente dorme como rei, senhor de si, senhor do tempo. Dono da alegria toda transbordada do dia. A alegria do relaxo da cabeça, que quebrou inventando mil maneiras de fazer melhor; do cansaço do músculo que forçou fazendo o que a cabeça inventou. A alegria esvazia o cheio do dia. A alegria de poder sentir e esvaziar o cheio do dia.

A alegria é um dar-se conta do dia que viveu.

A tristeza é um saber que não se está vivendo o dia.

Tristeza a gente sente é quando fica só cuidando da hora.

Alegria a gente acha é em horinhas de descuido!

“O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza!” (João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas)

* Paráfrase de “Felicidade se acha é em horinhas de descuido” - frase do Conto ‘Barra da Vaca”, no livro Tutaméia (Terceiras Estórias) de João Guimarães Rosa