CRIANÇA TEM CADA COISA!

Vivia na janela esperando o pai. Não sei bem o tempo, podia ser uma hora, um dia, uma semana. Era sempre uma eternidade! Às vezes ele chegava de noite, às vezes de manhãzinha. Trazia sempre um grande sorriso, um abraço quente, um afago carinhoso em meus cabelos. Depois beijava a mãe e ia descansar.

A casa ficava preenchida de sua alegria e meu coraçãozinho aquietava a saudade, mas já acordava o medo da próxima ausência. Durante muitos anos foi assim. Eu já tinha aprendido a contar o tempo quando ele um dia levantou e me chamou:

- Filho, vem cá. Amanhã o pai sai de novo. Você vem comigo.

O coração abriu o olho de susto e contentamento: - Vou? E medo. Quando o pai sai, ele existe? Se eu desaparecer, será que a mãe vai lembrar de mim? Será que eu vou conseguir voltar?

Enchi o peito de coragem e assenti.

Manhãzinha, tudo arrumado, entramos no carro. Eu e o pai. Só.

Fui vendo a mãe ficando pequenininha enquanto paisagens novas se revelavam para mim. Nunca tinha visto tanta cor antes na estrada. Nem escutado tantos sons diferentes.

Aos poucos, as alturas dos prédios foram se fazendo distantes e as linhas retas da paisagem se juntaram todas na rodovia à nossa frente. Ao redor, curvas se sucediam em copas de árvores e cadeias de montanhas, de todas as cores, formas e distâncias. A imensidão que eu conhecia se reduzia a nada, diante daquele mundo gigantesco.

O tempo passava, e eu continuava existindo. De repente, me veio um pensamento quase insuportável:

- A mãe! Ela desapareceu! Não! E se ela não existir nunca mais?

Juntei todas as minhas forças e perguntei:

- Pai, a mãe deixou de existir?

Surpreso ele perguntou: - Que pergunta é essa, meu filho?

- Quando você desaparece, eu sei que você vai voltar, tenho medo, mas você sempre volta. Agora eu vim com você, eu achei que a gente ia desaparecer, mas a gente ainda existe, então foi a mãe que sumiu. Ela nunca sumiu antes, será que ela volta?

Divertido, ele me acalmou.

- Ela está lá em casa esperando a gente. Ninguém vai deixar de existir. Só vamos ficar um tempinho sem ver a mãe, mas daqui a uns dias a gente volta para casa e ela estará lá. Agora, curte a viagem e aproveita esses dias só com o seu pai.

IMAGEM

Wassily Kandinsky - The Blue Rider (Improvisation 3)