MÁQUINA DO TEMPO

Eu vivo numa casa cheia de memórias. Olho pela janela e me vejo andando de bicicleta. No canto do meu ateliê, sento no colo da minha bisavó. No quintal, como a laranja que a Esperança descascou para mim. Na minha mesa de trabalho, disputo as pontas das bisnagas com meus primos.

Cada parte da casa, apesar de totalmente diferente depois da reforma, tanto que algumas nem existem mais, tem uma história para contar.

As casas vizinhas, cujas fachadas nem mudaram tanto, mas que já tiveram muitos moradores, contam das brincadeiras de pique, amarelinha, bola, corrida, bicicleta, com os amiguinhos que não sei por onde andam.

Encontros de um tempo que não existe mais, mas que vivem dentro de mim. Se isso vive ainda, mesmo que em memória, então esse tempo existe, está acontecendo aqui, agora, enquanto eu escrevo.

A casa tem duas fachadas: a que eu lembro e a que vejo agora. Minha cozinha é também o quarto de solteiro de meu pai. Meu consultório, a sala de televisão de minha bisavó.

Perdida nesses pensamentos, olho para a frente e vejo minha bisa sentada em sua cadeira do papai. Me levanto e me sento em seu colo. Pequena, sinto o calor de seu corpo, encaixo perfeitamente em sua barriga fofinha, brinco com seus cabelos violeta e sua verruga no canto da boca. Sinto sua mão acariciando minha cabeça e ouço sua voz me contando histórias.

Quase não sinto o tempo passar, quando, de repente, meu marido sobe as escadas e eu me percebo novamente no sofá da minha sala. Olho ao redor e me pergunto como cheguei aqui. Foi uma trajetória de mais de 40 anos passados em um átimo de segundo.

Dentro de mim tem uma máquina do tempo, com todos os tempos que já vivi. Nela posso me transportar a cada momento, a cada dia, a cada emoção, a cada encontro, bons ou ruins.

Essa máquina me ajuda a ser uma pessoa melhor, se eu quiser, pois posso avaliar o que fiz, posso resgatar e desenvolver o que foi bom, meu, ou que recebi de bom das pessoas, como o amor de minha Bisa. Posso também transformar minhas características, que percebi que não foram boas, para que nas próximas vezes eu realize ações melhores para mim e para os outros.

É uma dádiva que tenhamos essa máquina interna do tempo. Assim, pude estar com a Vó Dina agorinha há pouco e posso reencontrá-la sempre que eu quiser, porque, dentro de mim, sempre ela esteve comigo e sempre estará.

E você, como usa a sua máquina do tempo? Me conta aqui nos comentários!

IMAGENS

Menina e Bicicleta - Milton Dacosta

A Persistência da Memória - Salvador Dali