SENSORIALIDADES
- Alexandra Mettrau
- 2 de mar. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 4 de mar. de 2022
Pela primeira vez começo a escrever a partir de um título. Me veio essa palavra na cabeça: sensorialidades. Me peguei pensando na laranja lima que me levou para o Amor da Esperança; na gata angorá que leva Guimarães Rosa a passear pela Ásia*; nas sensações do vento, do sol e do mar em minha Dança com os Elementos. E a palavra surgiu.
É um exercício maravilhoso observar o que vem à cabeça quando atentamos ao que nossos sentidos percebem. O gosto aromático e texturado de uma comida, o tato acariciante de um animal de estimação, o calor envolvente do sol em um dia de inverno, o frêmito fresco de um beijo da pessoa amada. Muita poesia só em um acordar para as sensações.
Hoje o dia está estonteantemente lindo e quente. O brilho do sol invade todos os ambientes da casa, o calor entra pelas janelas, desprende do chão e das paredes, exala pegajoso de meu corpo, grudando a roupa em minha pele.
É Quarta-feira de Cinzas. Cinzas de um carnaval adiado pela pandemia. Cinzas de um êxtase catártico que não queimou. Cinzas de dois anos de isolamento. Cinzas da guerra que explodiu na Ucrânia, na última quarta-feira.
Auge do verão no Rio de Janeiro, muitas vezes o suor da quarta-feira de cinzas foi nos blocos de rua, nos estertores do Carnaval. Outras vezes foi na praia, longe da bagunça carnavalesca, curtindo a tranquilidade de um feriadão para descansar. Hoje é nas mídias sociais, indignada pelos horrores que a humanidade ainda é capaz de cometer. Como um mesmo estímulo aos sentidos pode nos levar a diversas sensações! Calor de verão, de êxtase, de paz ou de ira.
Há quase dois anos o Coronavírus nos trancou em nossas casas, nos obrigando a descobrir novas formas de interação social. Novos abraços nas memórias de conversas intermediadas pelas telas. Novos encontros viajando via Wi-Fi, em tempo real.
Este ano, nenhum som de bloco de rua me chegou pelas janelas. Nenhum engarrafamento monstruoso provocado pelos grupos de foliões, nenhum refletor brilhando nas fantasias e adereços da Passarela do Samba. Silêncio, solidão e paz. E calor, sempre calor.
Quantas transformações tivemos que fazer até sermos capazes de irradiar e sentir o calor de um abraço apertado através do sorriso via zoom, até percebermos que a solidão não está na distância, mas dentro da alma, e de novo nos encontrarmos, mesmo sem estarmos juntos. Sensação de ausência: acordar de presença. Sensorialidades.

CRÉDITO DA FOTO
Alexandra Mettrau - minha gatinha Ella Fitzgerald
* TURISMO SENTIMENTAL
Viajei toda a Ásia
ao alisar o dorso
da minha gata angorá…
João Guimarães Rosa
Com certeza a pior solidão e perder-se de si mesma. Parabéns pelo lindo texto!
Angelica